Processos de pesquisa muitas vezes
surpreendem os próprios pesquisadores.
Algo não esperado ocorre e
suscita novas investigações. Foi o que
aconteceu em meados de 2006 no
Laboratório de Bioquímica Molecular
da Embrapa Milho e Sorgo, quando de
estudos para identificação da comunidade
de fungos endofíticos (que se
desenvolvem dentro) do milho.
Quem conta a história é o pesquisador
José Edson Fontes Figueiredo:
“a estudante Marta Aparecida Teixeira,
da Escola Técnica de Sete Lagoas, veio
me relatar que estava curiosa sobre um
‘buraquinho’ em uma das placas de
crescimento de fungos que estávamos
isolando no laboratório. Pedi que ela
trouxesse a placa, o fungo havia crescido
profusamente, ocupando toda
a sua circunferência. Curiosamente,
na lateral da cultura havia realmente
um ‘buraquinho’ e, na base do meio
de cultura, podia ser observada uma
colônia de bactéria”.
A partir daí, foi feito o isolamento
da bactéria e começaram vários experimentos
envolvendo diversas espécies de fungos causadores de doenças
em milho e em sorgo. E qual não foi a
surpresa da equipe ao constatar que ela
inibiu o crescimento de, simplesmente,
todos os fungos testados. Os nomes são
complicados (Acremonium strictum,
Fusarium verticillioides, Aspergillus
spp, Penicillium spp., Exserrohilum
turcicum, Colletotrichum graminicola,
Colletotrichum sublineolum e Peronosclerospora
sorghi), mas os danos
causados por esses fungos são fáceis de
entender e de ver no campo. Os experimentos
foram repetidos e ampliados,
agora incluindo o tratamento de
sementes. Novamente, não houve crescimento
e desenvolvimento dos fungos.
Ou seja, a bactéria, de fato, tem ação
efetiva contra tais organismos.
Os testes continuaram ainda em
laboratório, mas agora com microbiolização,
que é o uso de microrganismos
para proteção de sementes. Utilizando
uma mistura de amido e sacarose a
50% e secando as sementes por 24h em
estufa à temperatura de 30 °C, foram
comparadas as sementes inoculadas
com a bactéria e as que foram tratadas
com fungicidas. Na primeira situação,
o controle foi novamente total, principalmente
sobre Aspergillus e Penicillium.
José Edson explica que “esses
resultados são significativos, pois
geralmente a atividade antagonista é
observada em alguns casos apenas ou a
inibição, muitas vezes, é parcial. Com
a bactéria estudada, os resultados eram
sempre de 100% de inibição contra
diferentes espécies de fungos, pertencentes
a diferentes gêneros”.
Com os sucessivos bons resultados,
havia chegado a hora de testar a
atividade biofungicida da bactéria em
casa de vegetação. Em outro experimento,
este em parceria com os
pesquisadores Rodrigo Veras da Costa,
Dagma Dionízia da Silva e Luciano
Viana Cota, daquela Unidade, e com
o estudante de doutorado da Universidade
Federal de Viçosa (UFV)
Fabrício Eustáquio Lanza, os resultados
também foram positivos. A
bactéria conferiu proteção às plantas
de milho em solo artificialmente infestado
com Fusarium verticillioides. Já
as plantas tratadas com fungicidas e as
chamadas plantas-controle ou testemunhas,
que não receberam tratamento
de sementes, tiveram desempenho pior
vida de laboratório no mesmo solo saturado pelo fungo.
Ou seja, novo sucesso!
O porquê de estudar fungos
José Edson explica que, hoje, as
perdas na agricultura podem variar de
30% a 100% da produtividade se não
forem aplicados agroquímicos. Mas,
como se sabe, isso tem um alto preço:
“o uso inadequado de pesticidas sinté-
ticos causa sérios problemas, como
toxicidade não seletiva, acúmulo de
compostos tóxicos, desenvolvimento
de resistência aos pesticidas, contaminação
ambiental, animal e humana
com surgimento de doenças por intoxicação
ou alterações fisiopatoló-
gicas e até mesmo câncer.
Nas últimas
décadas, índices de contaminação
alarmantes sinalizaram para a comunidade
científica, órgãos governamentais
de Saúde e Meio Ambiente e a
população em geral a necessidade de
se buscar alternativas menos impactantes”,
detalha o pesquisador.
No caso das doenças causadas por
fungos, que afetam todas as partes da
planta de milho, a queda na produtividade
chega a mais de 60%, podendo,
inclusive, inviabilizar a utilização
do grão para consumo direto e para
consumo de produtos processados.
Segundo o pesquisador, os fungos
podem atacar grãos de milho tanto na
fase pré-colheita (quando há podridões
de espigas) quanto na pós-colheita, que
envolve o beneficiamento, o armazenamento
e o transporte (quando
aparecem grãos mofados ou embolorados).
Quando o milho está estocado,
conforme as condições em que isso é
feito, as doenças causadas por fungos
podem diminuir a germinação das
sementes e ocasionar acúmulo de substâncias
tóxicas.
“Frequentemente, metabólitos de
fungos detectados nas podridões de
espiga e designados genericamente
como ‘fungos de campo’ causam
a patologia conhecida como grãos
ardidos, e fungos que crescem em
condições de armazenamento de grãos
são designados como ‘fungos de armazenamento’
ou fungos toxigênicos. No
processo de colonização dos grãos,
muitas espécies de fungos toxigênicos,
podem, além dos danos físicos (descolorações
dos grãos, reduções nos conteúdos de carboidratos, de proteínas e de
açúcares totais), produzir substâncias
tóxicas denominadas micotoxinas”,
explica José Edson. E hoje as micotoxinas
são um dos principais desafios
para os produtores brasileiros de milho,
pois provocam sérios danos à saúde
humana e à animal.
As apostas no uso da bactéria
estudada pelos pesquisadores
da Embrapa Milho e
Sorgo no controle
de doenças
fúngicas
estão
lançadas.
Reduzir o uso
intenso de fungicidas,
os riscos iminentes
de contaminação do meio
ambiente, possíveis intoxicações e
doenças em seres humanos e em outros
animais, bem como prejuízos econômicos causados pela presença de grãos
ardidos e de micotoxinas são objetivos
a alcançar.
De acordo com Joice Machado
Bariani, que trabalha com propriedade
intelectual na Embrapa Milho e Sorgo,
“os passos exigidos perante os órgãos
que regulam este tipo de pesquisa e
produtos estão sendo seguidos, à medida
que a pesquisa está se desenvolvendo”.
Resultados de pesquisas já realizadas
apontam para o sucesso da
empreitada. Falta, agora, transformar
esse sucesso conseguido em laboratório
e em casa de vegetação em
produtos de fácil acesso ao produtor. A
transição da pesquisa para o mercado é
essencial e potencializará os benefícios
de atuação da bactéria.
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