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“No Congresso Nacional há propostas que, se forem aprovadas, podem
afetar mais 2 milhões de hectares só na região amazônica”, adverte o
biólogo Enrico Bernard, da UFPE
26/05/2014
Do IHU Online
“Durante um longo período, de 1981 até recentemente, o governo brasileiro respeitava os limites das unidades de conservação nacionais.
Agora, em função de uma visão extremamente desenvolvimentista, essas
áreas protegidas passaram a ser vistas como um empecilho, como um
estorvo, e a solução é: se está atrapalhando, desfaz”. A crítica é de Enrico Bernard, professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e um dos autores da pesquisaRedução, Declassificação e Reclassificação de Unidades de Conservação no Brasil,
que aponta um resultado “alarmante” em relação à perda de unidades de
conservação no país. De acordo com o pesquisador, é espantoso verificar
que, entre a década de 1980 e os anos 2000, houve pontos isolados de
redução das unidades de conservação. Entretanto, as ações realizadas nos
últimos anos são responsáveis por quase toda a perda de 5,2 milhões de
hectares das unidades.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Bernard explica que dez fatores, entre os quais o agronegócio, o turismo, a especulação imobiliária, a construção de hidrelétricas e a geração de energia, são responsáveis pelo diagnóstico apresentado.
Segundo ele, depois da publicação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC,
no ano 2000, várias unidades de conservação foram reclassificadas, mas a
situação piorou oito anos depois. “A situação, no entanto, mudou de
figura a partir de 2008, quando observamos um grande ciclo novo de
alteração de limites, de redução e de declassificação das áreas. Esse
pico de 2008 não é à toa. Em 2007, a Empresa de Pesquisas Energéticas - EPE, ligada ao Ministério de Minas e Energia, publicou um documento que se chama Matriz Energética 2030, no qual diz claramente que, para atender à demanda energética do Brasil até 2030, todos os grandes rios da Amazônia terão
de ser barrados. No ano seguinte, em 2008, começamos a ver eventos de
alteração de limites das unidades de conservação da Amazônia. Então, o
que motivou essa alteração a partir de 2008 está muito relacionado com a
geração e transmissão de eletricidade”.
O pesquisador frisa que mais de 70% da área perdida estava localizada na Região Amazônica, onde se concentram as maiores unidades de conservação. “Algumas unidades estaduais simplesmente desapareceram. Rondônia é um estado que tem um problema sério, porque algumas unidades de conservação de Rondônia primeiro
foram reduzidas e depois simplesmente desapareceram”. E dispara: “O que
o Brasil está fazendo é um tiro no pé, porque o país depende muito da geração hidrelétrica,
e vários dos rios que abastecem essas hidrelétricas passam por dentro
ou têm suas nascentes nas unidades de conservação. Então, acabar com os
parques e reservas pode comprometer até a geração de eletricidade do
Brasil”.
Enrico Bernard é
graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo - USP,
mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e
doutor em Biologia pela York University, Canadá. É responsável pelo
Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade e
professor de Biologia da Conservação no Departamento de Zoologia da
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Confira a entrevista.
IHU
On-Line - Em que consiste a pesquisa que aponta como resultado a perda
de 5,2 milhões de hectares da conservação da natureza?
Enrico Bernard – Nesta
pesquisa, analisamos os chamados eventos de declassificação,
reclassificação e redução de unidade de conservação no Brasil. A
declassificação é quando uma área perde o seu espaço de proteção, ou
seja, ela deixa de existir; a reclassificação é quando ela muda de
categoria; e a redução é quando ela perde área, mas continua existindo.
A pesquisa investigou todos os eventos de alteração de limites das unidades de conservação no Brasil no
período de 1981 até dezembro de 2012. Identificamos 93 exemplos onde
houve alteração de limite de categoria ou de existência de unidades de
conservação no país. Esses 93 exemplos resultaram na perda efetiva de
5,2 milhões de hectares de áreas protegidas.
Quando me refiro a áreas protegidas, estou me referindo às unidades de conservação, porque não investigamosterras indígenas nem quilombolas.
Investigamos o que estava gerando esses eventos e fomos atrás dos chamados “drivers” que
estavam provocando essas alterações. Identificamos dez 'drivers', dez
agentes, ou seja, dez forças que resultaram na operação da
declassificação e da redução dos limites de áreas protegidas no Brasil.
Nós categorizamos esses drivers em dez classes: a proposta de novas
categorias quando uma área, antes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, foi alterada; adequação ao próprio SNUC,
que também fez com que várias categorias fossem reclassificadas;
agronegócio; assentamentos rurais; turismo; sobreposição com outras
áreas; especulação imobiliária; geração e transmissão de eletricidade;
um 'driver' político, que é quando nós não conseguimos identificar, mas a
proposta de ou extinguir ou reduzir uma área vem diretamente de uma Assembleia Legislativa; e o último driver é o aumento da conservação. Então, por trás desses 93 exemplos, temos todas essas forças agindo.
Depois
disso, investigamos, temporalmente, o que estava acontecendo e
encontramos um padrão muito alarmante: de 1981 até 2000, praticamente
não houve alteração de áreas protegidas no Brasil;
entretanto, em 2001, ocorreu o primeiro pico de alteração, e ele é
decorrente da publicação do SNUC um ano antes. Quer dizer, o SNUC foi publicado em 2000, e em 2001 várias unidades de conservação foram reclassificadas para se adequar às novas categorias doSNUC.
Identificamos que esse ciclo era positivo e de fortalecimento
institucional. Contudo, entre 2001 e 2007, observamos alterações nas
unidades de conservação estaduais em Rondônia e no Mato Grosso,
principalmente por causa do agronegócio. A situação, no entanto, mudou
de figura a partir de 2008, quando observamos um grande ciclo novo de
alteração de limites, de redução e declassificação das áreas. Esse pico
de 2008 não é à toa. Em 2007, aEmpresa de Pesquisas Energéticas - EPE, ligada ao Ministério de Minas e Energia, publicou um documento que se chama Matriz Energética 2030, no qual diz claramente que, para atender à demanda energética do Brasil até 2030, todos os grandes rios da Amazônia terão
de ser barrados. No ano seguinte, em 2008, começamos a ver eventos de
alteração de limites das unidades de conservação da Amazônia.
Então,
o que motivou essa alteração a partir de 2008 está muito relacionado
com a geração e transmissão de eletricidade. Ou seja, a partir de 2008
teve um pico de perda de áreas protegidas no Brasil em função de geração
e transmissão de eletricidade.
IHU On-Line – Esse valor de 5,2 milhões de hectares corresponde a que regiões?
Enrico Bernard – Mais de 70% do que foi perdido está na Região Amazônica,
porque ela concentra as maiores unidades de conservação. Nós fizemos
também uma classificação por área, pelo tamanho da unidade que foi
afetada, e houve um padrão interessante: as unidades “menorzinhas”,
com menos de mil hectares, são reclassificadas, ou seja, simplesmente
mudam de categoria. Já as unidades maiores, com mais de cem mil
hectares, ou deixam de existir ou são reduzidas. Então, quanto maior a
unidade, maior o ataque sobre ela no sentido de perda de área e de
proteção. Se for“pequenininha”, muda de categoria; se for grande, extirpa a área ou simplesmente faz com que ela deixe de existir.
Algumas
unidades sofreram mais de um evento. Teve uma unidade que foi reduzida
uma vez e depois foi totalmente declassificada, ou seja, deixou de
existir. Então, o que está acontecendo é que, parodiando um certo
ex-presidente doBrasil, “nunca antes na história deste país” se atacou tanto áreas protegidas como agora.
IHU On-Line - O que isso sinaliza em relação ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação?
Enrico Bernard – Demonstra que o Brasil está
passando por um momento crítico em relação à área ambiental. Durante um
logo período, de 1981 até recentemente, o governo brasileiro respeitava
os limites das unidades de conservação nacionais. Agora, em função de
uma visão extremamente desenvolvimentista, essas áreas protegidas
passaram a ser vistas como um empecilho, como um estorvo, e a solução é:
se está atrapalhando, desfaz. Existem iniciativas extremamente
perigosas, como a da frente parlamentar que está sendo constituída no Congresso Nacionale
que conta com a adesão de quase 240 deputados. Essa frente parlamentar
tem como objetivo alterar a situação das unidades de conservação do
Brasil. Ela está se formando agora, dominada amplamente pela bancada
ruralista.
Então, junto com tudo isso, ainda tem uma iniciativa formal de vários deputados que querem atacar e alterar o SNUC. Eu costumo dizer que estamos passando pelo momento mais delicado da questão ambiental da história recente do Brasil.
Conquistas que a sociedade brasileira conseguiu há quase 40 anos estão
sendo simplesmente rasgadas e desfeitas neste momento. Por mais
paradoxal que possa parecer, durante o regime militar os parques das
reservas brasileiras não eram tão atacados como são agora, quando o país
vive em plena democracia. Conquistas que a sociedade brasileira fez no
que se refere à legislação ambiental, que demoraram 30, 40 anos para se
concretizarem, estão sendo simplesmente rasgadas, colocadas em segundo
plano. Este é um momento extremamente delicado para quem acredita que as
unidades de conservação são importantes — e eu sou uma dessas
pessoas.As unidades de conservação brasileiras estão com problemas
orçamentários, o Brasil tem as maiores unidades de conservação do mundo e várias delas não têm espaço para trabalhar.
Acredito que as unidades de conservação são necessárias, e é com muita preocupação e revolta que vemos a situação que as unidades de conservação brasileira estão experimentando.
IHU On-Line - Quais são esses projetos a que o senhor se refere?
Enrico Bernard – No
nosso trabalho, dividimos os eventos que já ocorreram e as propostas de
novos eventos. As propostas, nesse caso, são restritas à Amazônia. Portanto, no Congresso Nacional há propostas que, se forem aprovadas, podem afetar mais 2 milhões de hectares só na região amazônica.
Ainda podem ocorrer, só na região amazônica, pelo menos cinco propostas
que estão sendo avaliadas e que podem afetar mais 2 milhões de hectares
de áreas protegidas. Agora, ninguém sabe o que essa frente parlamentar
irá propor; pode vir uma caixinha de surpresas e podemos ter várias
propostas novas sendo avaliadas em um futuro próximo. A história nos
mostra que abancada ruralista não é nem um pouco solidária às unidades de conservação brasileira.
IHU On-Line – Dessas unidades analisadas, é possível avaliar qual delas está em situação mais crítica?
Enrico Bernard – Algumas
unidades estaduais simplesmente desapareceram. Rondônia é um estado que
tem um problema sério, porque ali algumas unidades de conservação,
primeiro, foram reduzidas e, depois, simplesmente desapareceram.
É preocupante que o governo brasileiro resolva atacar as unidades de conservação. Inclusive, o que o Brasil está
fazendo é um tiro no pé, porque o país depende muito da geração
hidrelétrica, e vários dos rios que abastecem essas hidrelétricas passam
por dentro ou têm suas nascentes nas unidades de conservação. Então,
acabar com os parques e reservas pode comprometer até a geração de
eletricidade do Brasil.
IHU On-Line – Nos
últimos dias houve reação dos ambientalistas por conta da iniciativa da
Empresa de Pesquisa Energética – EPE, de realizar novas pesquisas em
unidades de conservação com o objetivo de construir novas hidrelétricas.
Maurício Tolmasquim argumentou que a EPE apenas está realizando
pesquisas. Como o senhor avalia iniciativas como essas diante do atual
quadro das unidades de conservação?
Então, esse discurso do Tolmasquim é mentira, porque não vão investir dinheiro para pesquisar potencial se não tiver intenção de construir. O senhor Tolmasquim está tentando “tapar o sol com a peneira”, está colocando um discurso bacana, mas sabemos que nenhuma empresa de pesquisa investe dinheiro, recurso, tempo e energia, se não houver a intenção clara de explorar o recurso. Então, a justificativa dele não me convence.
Enrico Bernard – A pergunta que faço ao Tolmasquim é: “A EPE vai
pesquisar, gastar dinheiro se não tem a intenção de construir?”. Então
esse “papo” de que estão verificando o potencial das unidades de
conservação é balela. Existem
pesquisas de potencial hidrelétrico na região amazônica desde 1970; eles
já sabem exatamente quais rios serão barrados. Na Matriz de Energia de 2030 está tudo apontado, já se sabe qual é o potencial hidrelétrico dos rios.
IHU On-Line - O Código Florestal tem muitas brechas para intervenção nas unidades de conservação?
Enrico Bernard – O modo de operar é exatamente explorar as brechas legais. Então, nesse sentido, Tolmasquim foi
bem claro quanto à pesquisa nas unidades de conservação: “A lei não diz
nem que sim, nem que não”. Então, quando você cai na zona cinzenta, são
exploradas exatamente brechas e falhas da lei. Isso deixa claro a
maneira como algumas pessoas veem a utilização dos recursos naturais no
Brasil: “Se não diz nem que sim, nem que não, então é sinal verde, vamos
explorá-los”.
FONTE:SITE BRASIL EM FATO
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